A
Natação é considerada um esporte peculiar e suas características são bem
distintas com relação aos outros devido o meio onde é praticado.
Segundo Costill et al. (1995) a água é 1000 vezes mais densa que o ar
e, assim, quando o corpo se desloca em uma determinada direção, o mesmo
recebe uma resistência que é oposta ao movimento. Esse conceito de
resistência é denominado arrasto. A locomoção aquática não depende
somente das de habilidades propulsivas, mas também na capacidade de
redução do arrasto durante o nado (RIBEIRO, 2006). Esta redução permite
ao nadador se locomover em velocidades constantes com menor utilização
de energia (McCABE e SANDERS, 2006). Sendo assim, vários são os
trabalhos que visam à determinação dessa força de arrasto para a
maximização da velocidade. (SEIFERT et. al. 2010, VILLAS BOAS et al.
2004, TOUSSAINT & TROJANS, 2005, BARBOSA et al. 2010).
Costill et al. (1995) e Maglischo (1999, 2003) descrevem três tipos de arrastos: o arrasto de forma, de onda e o friccional.
O primeiro está relacionado ao tamanho e forma do corpo do nadador
durante o nado. Arrasto de onda deriva das ondas provocadas pelo atleta
ao deslocar-se na água e o arrasto de fricção é a resultante do
contacto da pele do nadador com a água.
Todos esses três componentes são melhores entendidos a partir do
momento em que são verificadas as atuações dos fluidos em decorrência
ao avanço do nadador no meio líquido.
Desta forma, destacar a influência das propriedades físicas da água no
que concerne à propulsão é inevitável. A água consiste de moléculas
que tendem a flutuar em correntes regulares até que algum corpo
interrompa o movimento. Essas duas correntes foram definidas por
Costill et al. (1995) como fluxo laminar e turbulento, onde o laminar
oferece menor resistência ao avanço quando comparado ao turbulento. A
medida que o nadador avança, as correntes saem do estado laminar e se
transformam em correntes turbulentas. As correntes turbulentas criadas
pelos nadadores recebem influências de três fatores: (1) o formato
corporal dos nadadores, (2) a orientação de seu corpo na água e (3) a
velocidade dos movimentos corporais (MAGLISCHO, 1999).
O formato corporal dos nadadores tem relação íntima com a criação de
fluxos turbulentos que retardam seu deslocamento. Essa afirmação foi
corroborada por Toussaint e Beek (1992) ao verificarem alta correlação
(r=0,82) entre o tamanho corporal dos nadadores e a criação de
resistência ao avanço. Considerando a orientação do corpo com relação á
água, o arrasto é aumentado quando os nadadores estão menos
horizontalizados com relação á superfície da água e com relação a
velocidade, os nadadores ao duplicarem a mesma, recebem uma resistência
que é o quadrado dessa velocidade.
Uma parte considerável do gasto energético na Natação é utilizada para vencer o arrasto (PENDERGAST et. al. 2003). Ao longo da história da Natação, tentativas têm sido feitas para medir as forças de arrasto. Já em 1905, Dubois- Reymond Apud Toussaint
et al., (2000) rebocou pessoas com a utilização de um barco a remo,
medindo a resistência com a utilização de um dinamômetro. Segundo
Toussaint et al, (2000), os pesquisadores Amar na deçada de 20 e foi
Karpovich, na década de 30 foram os primeiros a supor que a resistência
da água estava relacionada com o quadrado da velocidade de nado de
acordo com a equação:
D= K.v2
onde D denota a força de arrasto, K é uma constante do coeficiente de
arrasto, área de secção transversa do corpo e densidade da água,
enquanto V é a velocidade do nado. Tanto Amar quanto Karpovich usaram
técnicas de medição de determinação da resistência dos nadadores em
deslizes passivos através da água. Contudo, suspeitou-se que os
movimentos dos nadadores eram criadores de maiores arrastos e desta
forma iniciaram as tentativas de se avaliar o arrasto do indivíduo
nadando (arrasto ativo) e não apenas sendo rebocado (TOUSSAINT,et al.,
2000).
Técnicas para determinar os arrastos ativos foram desenvolvidas por
vários grupos nos anos subseqüentes (TOUSSAINT, et al., 2004). Em
meados dos anos 80, Hollander, et al. desenvolveram um equipamento
denominado Meansuremet Active Drag System (MAD System) para medir o
arrasto ativo (Figura 1). A técnica baseia-se na medição direta das
forças das braçadas do nado Crawl. Kolmogorov e Duplisheva (1992)
desenvolveram outro método para determinar o arrasto ativo no qual
denominaram de perturbação da velocidade onde os nadadores eram
conduzidos a nadarem duas tentativas máximas na duração de 30 segundos:
uma vez no nado livre, e uma vez nadando atados a um corpo
hidrodinâmico que criava uma resistência adicional conhecida. O aspecto
que favorece esse método é que o mesmo pode ser aplicado para os quatro
nados competitivos, enquanto o sistema MAD é aplicável apenas ao nado
Crawl.

Figura 1. Desenho esquemático do sistema MAD System montado em uma piscina de 25 metros onde o mesmo permite que o nadador realize os
movimentos
de braçadas apoiado a plataformas conectadas a um transdutor de força,
permitindo a medição direta da força propulsiva das braçadas
Vários autores têm sugerido que as forças de arrasto do nado na
superfície pode ser reduzida melhorando a técnica do mesmo. (MAGLISCHO,
1999, SWEETENHHAM e ATIKINSON, 2003, PLATONOV, 2005).
Para testar essa hipótese Hollander et al. (1986) determinou a relação
entre as forças de arrasto e o desempenho em velocidade máximas na
Natação. Nehuma relação significativa foi obtida (r = -0,27 homens e r =
0,07, nas mulheres). Sendo assim, o autor concluiu que as forças de
arrasto por si só não foram determinantes da velocidade máxima de nado.
Parece que o arrasto é determinado pelas dimensões antropométricas
(área do corpo por exemplo, transversal e altura) em grupos de
nadadores de elite que são homogêneos em relação à técnica de nado
(TOUSSAINT, et al., 2000). Provavelmente uma pequena redução no arrasto
pode ser alcançadas pelo alongamento do braço na fase de deslize e em
menores áreas de secção tranversa das dimensões corporais (BARBOSA et.
al., 2009).
Teorias da propulsão
Em 1950 Louis Alley apud
Counsilman (1977) conduziu um experimento para determinar o melhor
padrão de braçada, ou seja, a realização das mesmas com os cotovelos
fletidos ou estendidos. O padrão de movimento com os cotovelos fletidos
se dava pela flexão do mesmo a 90o e passando por debaixo da linha
média do corpo. Alley conclui que a técnica com os braços estendidos era
superior a dos cotovelos fletidos. (Figura 2)
Os mecanismos envolvidos na geração de força propulsiva receberam
pouca atenção após a publicação de Alley até a década de 60, quando
Counsilman (1966) publicou a sua famosa análise cinemática das braçadas
e começou a especular sobre o mecanismo dinâmico da propulsão. O autor
apoiou a teoria de que as forças geradas pelas mãos gerando propulsão
respeitavam a terceira Lei de Newton (ação e reação).
Figura 2.
Visão sobre a mecânica da propulsão. A mão é usada como um remo e
percorre uma trajetória de frente para trás, criando propulsão de acordo
com a
Terceira Lei de Newton
Logo em seguida um trabalho que foi um marco divisório e revolucionou
os achados da época conduzidos por James Counsilman e Ronald Brown em
1971 foi publicado (TOUSSAINT et al., 2000). Os pesquisadores fizeram
um experimento onde colocava luzes nas mãos dos melhores nadadores do
mundo na década de 70 enquanto os mesmos nadam numa piscina com as
luzes apagadas verificando que os melhores nadadores não utilizavam a
trajetória retilínea em seus segmentos e sim curvilínea na maioria da
trajetória subaquática. Neste novo conceito de braçada surge o modelo
da trajetória em S apoiada no Princípio de Bernoulli que diz que a
"pressão da água diminui a medida que sua velocidade aumenta". Desta
forma, Cousilman e Brown sugeriram que nadadores de classe internacional
aplicassem tração em grandes quantidades de água por um breve período
de tempo e logo em seguida mudassem de direção para a aplicação em
outras massas de água. Esse modelo foi proposto e muito aceito até
então em todos os nados competitivos (Figura 3).

Figura 3. Vista lateral, inferior e frontal do percurso das mãos no estilo crawl
Pouco tempo depois, Counsilman (1971) também chamou a atenção para a
importância das forças de sustentação, que atuam perpendicular à
direção do movimento das mãos e afirmou que ambas as forças de
sustentação e arrasto são importantes para a propulsão. Esta teoria
poderia explicar os movimentos de palmateios realizdaso pelos nadadores
nas braçadas observados com a fotografia subaquática. Na
mesma década, Counsilman (1977) sugeriu que a velocidade de nadadores
poderia ser aumentada por: a) diminuição das forças de arrasto, b)
aumento das forças propulsivas geradas pelas braçadas e pernadas e c)
combinação dessas duas variáveis.
Logo em seguida, o pesquisador Cecil Colwin (1984) (citado por
Maglischo, 1999) propôs outra teoria da propulsão da Natação que se
baseava na formação e na emissão de vórtices. Segundo o autor, os
vórtices ou remoinhos, originavam-se nas extremidades dos nadadores
devido as diferentes pressões de água. O aparecimento destes remoinhos
provoca um aumento da pressão na parte inferior das extremidades e,
conseqüentemente, um aumento da força ascensional e da força de
propulsão. Colwin distinguiu dois tipos de propulsão resultantes dos
vórtices: a Propulsão Laminar que é o resultado das forças de sustentação produzidas pelo fluxo de água em torno de uma lâmina e a Propulsão por Anéis Concorrentes.
As rápidas mudanças de direção das extremidades do nadador provocam a
separação dos vórtices de periferia, que originam os anéis
concorrentes. A formação destes anéis vai impulsionar o nadador para
frente.
Pesquisas clássicas apontam também para outros três fatores inerentes a propulsão aquática: direção, ângulo de ataque e velocidade.
A direção em que os membros dos nadadores movem-se pode ser definida
pelo estudo dos padrões de braçadas de nado, seus ângulos de ataque
podem ser determinados com base na inclinação de seus membros e a
velocidade está relacionada às mãos e pés ao se deslocarem na água
(MAGLISCHO, 2003, STAGER & TANNER, 2008).
De acordo com esses autores os padrões desenhados na água pelos
segmentos corporais dos nadadores nos ajudam a compreender o modo pelo
qual os membros nos nadadores afetam os da água. Essa mudança na
direção principalmente das mãos tem a finalidade dos nadadores
encontrarem maiores volumes de água sem turbulência a fim de um maior
deslocamento como descreve o Princípio de Bernoulli (BIXLER e RIEWALD,
2002).
O ângulo de ataque é o ângulo formado pela inclinação da mão, do
braço, do pé ou da perna para a direção em que eles estão se movendo.
As primeiras pesquisas na investigação das forças de sustentação com
relação aos ângulos de ataque das mãos se deram na década de 70 onde
Schleihauf (1979) realizou uma réplica em plástico da mão e a
introduziu num canal de água que se deslocava a velocidade conhecida,
medindo desta maneira os valores da força de arrasto e a força de
sustentação em função do ângulo de ataque da mão e da velocidade da
água. Os achados Schleihauf afirmaram que a força propulsiva aumentava
consideravelmente quando o ângulo de ataque aproximava-se de 45 graus e
diminuía a medida da aproximação dos 90 graus em relação ao centro de
massas do corpo. Achados similares foram verificados por Silva et al.,
(2005) com a utilização de parâmetros tridimensionais.
Na década de 80, Cousilman e Wasilak investigaram a relação entre a
velocidade dos membros e concluíram que os melhores nadadores aceleravam
suas mãos desde o início até o final da parte submersa de suas
braçadas (MAGLISCHO, 1999). Contudo Schleihauf (1986) verificou que a
velocidade da mão se dava através de pulsos, diminuindo e em seguida
aumentando a cada mudança importante de direção durante as fases
submersas da braçada. Takagi e Wilson (1999) utilizando uma luva
instrumentada com transdutores na palma e no dorso registraram o
componente perpendicular da força hidrodinâmica e verificaram que maior
parte da força se produz na parte final da braçada.
Aspectos relacionados à propulsão
O desenho (design) da braçada dos membros superiores na Natação são denominados varreduras. As varreduras são divididas em quatro grupos: varredura para fora, para baixo, para dentro e para cima.
Quadro adaptado de Maglischo, 1999
Atualmente, há um consenço entre os treinadores durante a orientação
das varreduras. Os nadadores são orientados a realizarem as ações
propulsivas com os cotovelos em uma posição elevada (cotovelo alto) e
não rebaixada (cotovelo baixo), criando assim melhor posição
biomecânica que resultará em maior eficiência propulsiva. Essa
terminologia (cotovelo alto e cotovelo baixo) foi inicialmente
proposta por Cousilman ao afirmar que o cotovelo alto permite os
nadadores colocarem seus braços numa posição otimizada a fim de
tracionar a água para trás (MAGLISCHO, 1999). Além disso a
fase propulsiva das braçadas está relacionada à profundidade das mãos,
onde as mesmas devem se encontrar entre 15 a 30 centímetro de
profundidade antes do início da aplicação de força (NAKAMURA, 1997).
Contudo, não somente os braços possuem papel na propulsão na Natação. Deschodt et al. (1999) propulseram
uma pesquisa onde verificaram a locomoção em quatro procedimentos
experimentais: propulsão com apenas um braço, b) apenas com os braços,
c) com um braço e duas pernas d) com os dois braços e com as duas
pernas. Os autores verificaram aumentos médios de 10% na velocidade
máxima quando as pernadas foram inseridas no teste concluindo a
eficácia assegurada dos membros inferiores na propulsão aquática. Esse
conceito foi incialmente descrito por Hollander et al. (1988) apud
Maglischo (2003) utilizando o MAD System. Nesse experimento, 18
nadadores de nível nacional foram submetidos a duas condições: a) nadar
em máxima velocidade com movimentos completos (braços e pernas) e b)
em máxima velocidade apenas com a utilização dos braços, com as pernas
apoiadas por um flutuador. Os resultados demonstraram que o nado com os
braços e pernas foi 12% mais veloz do que apenas com os braços
concluindo que essas velocidade adicional se deu através das pernadas
dos nadadores.
Parece que existem vários fatores que contribuem para a propulsão
aquática, porém ainda não foi relatado qual o maior responsável por
este fenômeno. Contudo, é importante a determinação dos parâmetros
mecânicos (técnicos e forças de arrasto) para a otimização do
desempenho da propulsão em nadadores.